Por Marcelo Nóbrega*
Crise não é novidade para executivos brasileiros. No entanto, nunca lidamos com algo parecido com a COVID-19. No final da década de 2000, os EUA enfrentaram uma crise no mercado imobiliário que atingiu os bancos e teve desdobramentos nos mercados financeiros de todo o planeta. Fast forward para o Brasil em 2018, tivemos a greve dos caminhoneiros. E isso para citar apenas duas ocasiões em que nossos planos estratégicos e orçamentos foram impiedosamente atropelados por fatores exógenos. No primeiro exemplo, os profissionais de Finanças foram escalados para o combate. Na sequência, há cerca de dois anos, foi a vez de as equipes de Logística e Operações entrarem em campo para salvar o resultado das empresas. E, agora, quem está na cara do gol é o RH.
Mas se o tema é protagonismo, a atuação do RH durante esta crise será contada e recontada, no futuro, mais como um melodrama em quatro atos do que como uma partida de futebol em dois tempos.
Escalada em 4 atos
1º Ato: implementamos o maior experimento coletivo da história deste país, aliás do mundo. De forma intempestiva e um tanto atrapalhada, é verdade. O home office nasceu a fórceps. Em questão de dias, assistimos à flexibilização de várias regras, políticas e ways of working, que serviam mais à manutenção do status quo para aqueles que negavam a aproximação do futuro. E o tal amanhã chegou! Como no teatro, o primeiro ato expôs a trama de um enredo muito mais distópico do que os mais ousados Sci-fi movies de que se tem notícia.
2º Ato: descobrimos a importância de cuidar da saúde, da segurança, do bem-estar, da colaboração e de se estar próximo. Empresas que realmente se importam com seu principal ativo criaram sistemas de suporte não apenas para os empregados que passaram a trabalhar em casa, mas também para aqueles que não puderam abandonar seus postos de trabalho. Essas empresas auxiliaram no setup e na adaptação ao home office, disponibilizaram recursos para o cuidado com a saúde física e mental e ferramentas de produtividade. Também orientaram seus líderes quanto a boas práticas na gestão de equipes nesse novo ambiente.
Se empresas tornaram-se mais humanas e próximas… a distância, por outro lado, também surgiram bizarrices de causar inveja a George Orwell, como os trackers, pessoas remuneradas para vigiar, através das câmeras dos computadores, aqueles que estão trabalhando em casa. Sem falar no batalhão de pessoas que está preenchendo planilhas com a descrição das tarefas que realizam durante o dia em home office. Eu aposto em uma mudança comportamental que condenará esses gerentes e empresários ao ostracismo corporativo! A falta de habilidade certamente já era conhecida pelos membros de suas equipes, mas de certo modo era suportada e relevada. Agora, será difícil ignorar que o rei está nu!
Acredito que o experimento home office terá como resultado o amadurecimento da força de trabalho. As pessoas estão se dando conta de que são mais capazes, autônomas e independentes no trabalho. Se antes íamos a fábricas ou escritórios porque lá estavam os bens e insumos de produção, não é mais assim. Os fatores de produção agora são portáteis e acessíveis, pelo menos para os espécimes cujo habitat é (era?) o escritório. Poderemos trabalhar para quem quisermos. E isso inclui empregar nosso talento em prol de uma empresa ou pessoa em qualquer ponto do planeta. Utópico? Acho que é questão de tempo.
Enquanto escrevo este texto, maio de 2020, estamos em um dos intervalos entre os atos dessa grande peça teatral. De certa forma, em suspensão… Para que lado irá a trama dessa história? Que novos atores se revezarão no palco?
3º Ato: desmobilização do home office ou o retrofit dos escritórios. É necessário fazer uma gestão da mudança para o retorno aos escritórios. Não é um mero acender das luzes. Muita coisa aconteceu ou mudou durante a quarentena. E a ameaça à nossa saúde permanecerá enquanto não houver um antídoto definitivo.
O RH deve se posicionar e liderar a confecção de um Plano de Retorno. Escrevi sobre isso neste post para o blog da Gestão RH. As preocupações e medidas preventivas citadas no texto serão permanentes, pois outras pandemias ocorrerão no futuro. Esse medo influenciará a arquitetura dos nossos escritórios. Facilities, uma área por muitos relegada a segundo ou terceiro plano, se torna relevante para a atração de talentos. Olha aí mais uma oportunidade para o RH!
4º Ato: Em meio a um amontoado de acontecimentos insólitos, no melhor estilo do teatro do absurdo de Beckett, nos encaminhamos para o ato final da peça. O desenlace? Estamos todos nos preparando para a retomada dos negócios. Queremos voltar a trabalhar. Fazer a roda girar, como sempre fizemos. Mas não vejo uma retomada. Vejo um novo início. O mundo mudou, está mudando, mudará. As consequências dessa crise ainda não são conhecidas. Sabemos como era o mundo. Temos uma ideia incompleta do período de transição que estamos vivendo. Desconhecemos o que está por vir.
De novo, é hora do RH protagonista
Os setores de artigos de luxo, vestuário e viagens perderam 90% de suas receitas. Por outro lado, tudo o que é e-commerce, logística de delivery, saúde e ensino a distância cresceu bastante. Mudanças de perfil de consumo… Startups de tecnologia demitiram de 20% a 50% de seus quadros. Algumas encerraram suas operações no país. Jovens que faziam fila para trabalhar nessas empresas agora estão procurando empregos ´seguros´ em empresas tradicionais. Mudanças de propósito? Famílias estão mudando para o interior. Mudanças de estilo de vida… Tudo isso em menos de três meses. Imprevisível, né? Como arriscar o que virá depois?
As empresas precisarão se reinventar ou começar de novo já que a distribuição relativa do PIB brasileiro vai encontrar um novo ponto de equilíbrio. Empresas vão nascer, crescer, encolher, quebrar em função de um rearranjo da economia mundial. Essa readequação ao mercado consumidor exigirá um redesenho das organizações. As estruturas internas precisarão mudar para atender as novas demandas do mercado. O headcount e o talento interno das empresas também será redistribuído. O que fará sentido para o consumidor final? O produto ou serviço mudará? O perfil do cliente será outro? O que a empresa fazia que não é mais relevante? O talento precisará estar em marketing, operação ou design? Quais serão as competências essenciais para o sucesso da empresa? Que tipo de profissional será importante para cada negócio ou empresa? Que competências esses profissionais precisarão apresentar?
Esta leitura de cenários, das mudanças comportamentais, o posicionamento e suporte às lideranças e desenho organizacional estão na área de domínio dos profissionais de RH. Quando as cortinas se abrirem para o próximo espetáculo, levo fé que será para eles que puxaremos o coro de “Bravo”. E vou estar na fila do gargarejo.
*Marcelo Nóbrega é investidor anjo
Quer ficar ligado nas tendências do mundo de RH e entrar na Era da Experiência? Nos siga nas redes sociais!